sexta-feira, 9 de julho de 2010

CONDÔMINO MAGISTRADO EXIGE TRATAMENTO DE “SENHOR” OU “DOUTOR” EM CONDOMÍNIO


Em 17.02.2005 na cidade de Niterói no Rio de Janeiro, um Condômino deu entrada na 9ª Vara de Justiça em processo (de n. 2005.002.003424-4) contra o Condomínio do Edifício Luiza Village, com uma ação exigindo que os empregados tratassem ao mesmo e a suas visitas de Senhor ou Doutor e que em função da ausência deste tratamento fosse também o condomínio, condenado a danos morais de no mínimo 100 salários mínimos.

É também necessário observar que o condômino autor é Juiz de Direito, e ao ser tratado de “você” sentia-se diminuído e ofendido em sua dignidade de pessoa.
O magistrado da vara em que intentou a ação, não concordou com o seu pedido liminar para que tal tratamento fosse obrigatório de imediato, preferindo aguardar o desenvolvimento da ação onde seria verificada os argumentos e provas a serem apresentadas pelas partes podendo apreciar melhor se o alegado trazia algum prejuízo ou dano moral ao autor.
Não satisfeito com a negativa intentou junto ao Tribunal de Justiça com Agravo de Instrumento onde a 9ª Câmara Civil do Rio de Janeiro concedeu a liminar obrigando que os empregados do Condomínio o tratassem como requeria até final decisão da ação. Para tanto o Desembargador Relator assim disse “tratando-se de magistrado, cuja preservação da dignidade e do decoro da função que exerce, antes de ser direito do agravante, mas um dever - e verificando-se dos autos que o mesmo vem sofrendo, não somente em enorme desrespeito por parte de empregados subalternos do Condomínio onde reside, mas também verdadeiros desacatos - mostra-se, data venia, teratológica a decisão do Juízo ´a quo´, ao indeferir a antecipação de tutela pretendida. Isto posto, defiro-a de plano. Intimem-se os agravados para contra-razões, por carta".

Não obstante essa decisão liminar gritantemente corporativa o probo juiz da Vara, corajosamente, prolatou sua sentença de forma equilibrada e justa, negando ao autor a procedência da ação e ainda o condenou nas custas e honorários advocatícios.
Assim mesmo, o autor, frustrado com a sentença, apelou novamente para o Tribunal, que frente à fundamentada sentença do juiz “a quo” não viu outro caminho senão manter na íntegra a sentença.
Observe-se ainda que o autor entrou com um Agravo de Instrumento ao Superior Tribunal de Justiça, ainda não julgado.
O presente artigo mostra que o Condomínio deve observar sempre a necessidade de tratar a todos os seres humanos com dignidade não sendo, no entanto, obrigado a utilizar títulos ou cargos no relacionamento alimentando egos e complexos de ninguém.
A íntegra da sentença a seguir:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL. Processo n° 2005.002.003424- 4.

S E N T E N Ç A

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".

Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de "Doutor", "senhor", "Doutora", "senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.
(...)
DECIDO. "O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem, ou de um direito que se gostaria de ter ." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg.15).

Trata-se o autor da ação de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz, tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente a mesma dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude . Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário . Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas como "doutor", sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra - que se trata de título conferido por uma universidade, à guisa de homenagem, a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que "professor" e "mestre", são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.

Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.

O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso. Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora, e você, quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado, "Crônica de Viver do Baiano Seiscentista" , nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.

Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil, de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade .

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.
P.R.I.ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito

Acórdão do Agravo de Instrumento
http://srv85.tjrj.jus.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=00035FA8130114E803C652387CB27FEC389DD99CC3215A59

Acórdão - Apelação